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Ô, Apolô!

5 novembro, 2008

A sala estava com o ar áspero de fim do dia. O consultório do Dr. Apolônio sempre ficava assim.

Muitos problemas resolvidos, muitas neuras e manias controladas. Era assim que o melhor psiquiatra da cidade gostava de terminar o dia. Fumou um. A secretária já tinha ido embora. Podia se permitir e bolar. Seus pacientes jamais poderiam imaginar. Jamais.

Toca o telefone. Que barulinho impertinente! Pensou Dr. Apolônio.
Ele tinha a audição sensível. Viveu os bons tempos. Os anos 70… como eram bons. As revoluções, as pessoas, as lutas por seus ideais…
Entre os pensamentos, Dr. Apolô (como alguns pacientes gostavam de chamá-lo) esqueceu que não deveria mais atender telefonemas numa hora dessas. Atendeu. Uma voz nervosa, ofegante, desabafou:

– Apolô! Que bom que atendeste… se fosse a Míriam, ela ia me mandar ir amanhã aí. Preciso resolver isso hoje. Caralho! Tou fudido, Apolô, FU-DI-DO!

Pensando reconhecer a voz, o Dr. manda:

– Diga o que aconteceu? Você tem tomado seus remédios no período que receitei? Na quantidade correta?

– Sim… sempre que possível. Mas não consigo mais parar, Apolô. É incontrolável! Vou perder mais esta batalha na minha vida. Que luta desleal…

– Auto-controle, não esqueça disso. Tente distrair-se, vá a um cinema…

– Pra ser expulso de novo? Da última vez fui assistir o novo do Woody Allen, cacete, foi foda. Não consegui resistir…

– Assista um filme de arte, um iraniano. Nada que leve uma Scarlet Johanson…

– O problema não é esse! São as idéias que me impulsionam. Não agüento mais! Vou perder mais esta, sou um perdedor. Não consigo me livrar deste vício…

– Calma, meu caro. Você é jovem, está passando por uma fase difícil, só isso. Uma hora você perderá o interesse por auto-masturbação.

– Só hoje foram 10, Apolô, 10!!! Esse vício está me acabando.

– Você já tirou todas as revistas de nudez da sua casa? Desligou a TV?

– Já sim. E isso só tem piorado. Agora comecei a ver motivo pra bater uma bronha em tudo.

– Como assim? Que tipos de elementos tem chamado a sua atenção?

Dr. Apolônio abre o zíper da calça. Lembra-se bem deste paciente, ele tinha fantasias sexuais incríveis. Já que não estava vendo mesmo, quem saberia que ele cometeu este deslize?

– Outro dia estava ouvindo música, um disco ótimo do Funkadelic, falando nisso… Pois bem, estava ouvindo e fiquei de pau duro! Achei até poético na hora. Estava de pau duro pra uma banda que é do caralho. Isso é um barulho de zíper, Apolô?

– Não, lógico que não. É que a sua mente anda perturbada, você está ouvindo coisas onde não existem. Fique calmo.

Com a calça fechada e com o pau decepcionado, o Dr. Apolônio continua a ouvir.

– Apolô, tou enlouquecendo mesmo. Eu estou num ponto tal que, sem conseguir me controlar, bati punheta pra todos os discos dos Mutantes, Novos Baianos… Até que, num ato de desespero, encaixotei tudo.

– E o que te deixa tão nervoso agora, meu rapaz? Está querendo abrir a caixa?

– Não… é que passou um desses carros de propaganda política, tocando uma daquelas músicas de campanha, sabe?

– Oh, meu filho…

– Não contei história. Botei o pau pra fora da janela e bati ali mesmo.